15 de out. de 2009

O homem solitário - Alguns contos da pequena princesa e sua rosa.


 
 
Conto Um

Tenho uma rosa que é minha só. Muitas vezes penso que ela me faz especial, porque ela é minha, é secreta e ninguém pode tocar. Mas isso é bobagem, ela não me faz especial, ela não é especial. Ela nem dói tanto, isso é só jogo, só uma brincadeira de ficar infeliz. Como embaixo da nuvem. La não tem ninguém, então é lá que fico emburrada e só para manter todos longe.  E faço teatro: comigo, porque me digo que sou muito mais infeliz do que realmente sou. Com os outros, pois represento mil papéis para atrair, agradar, mas manter distante. Não me mostro nem a eles, nem a mim. Agora, já não faz mais sentido. Não dói tanto assim e quando, por hábito, vou adorar a flor, já nem está lá... é muito claro que é tudo ilusão. Então preciso de parâmetro novo. Então tá. Ser feliz é ser mais uma só. Sem teatro para fora ou para dentro. É ser capaz de me achar bela e inteira. É tomar parte na minha vida. Ser consciente, fazer escolhas e não ser escolhida sempre. É conhecer quem sou e no que acredito. É ter mais amor pelo meu corpo, pela minha vida e amar minhas experiências não porque elas foram dolorosas, mas porque me ensinaram.


       Conto Dois:
 
         Eu me lembro de sempre ter sido uma criança muito séria. Muito responsável obediente. Sempre fui considerada madura e me relacionava melhor com adultos que com outras crianças. Engraçado, isso. Eu nunca gostei de ser criança. Eu não achava os adultos especialmente interessantes, também. Eu sempre achei complicadas as interações sociais e preferi os livros às pessoas. Eu imaginava ser adulta, mas todas as histórias eram muito sofridas (...). Faz sentido a idéia da “síndrome de Peter Pan”, mas ao mesmo tempo, é complicado. Porque os adultos sempre pareceram frágeis e sós. Mas ser criança também era muito solitário. Era me esconder na biblioteca no recreio, para não ter que falar com ninguém. A biblioteca era como um útero, seguro e aconchegante. É isso. Vontade de ser tão pequena, de voltar para o útero e estar longe do mundo todo. Vontade de, ao menos, ser tão pequena que não é preciso falar, andar, fazer esportes. A afirmação física, correr, fazer esportes, também sempre me deu medo. Uma falta de reconhecimento desse corpo, essa falta de habilidade com ele que sempre me gerou vergonha, desconforto. Eu nunca me reconheci nesse corpo. Ele ficou o menor que pôde, para me esconder no canto, num útero. Ele ficou gordo para que ninguém chegasse muito perto, para que meu eu continuasse pequeno, cada vez mais escondido, um “eu” encolhido dentro da gaiola física, de corpo, de gordura. E a questão do não crescer, do metabolismo, acho que tem muito a ver com isso, com essa vontade de ser alheia ao mundo, de não me mover. De vegetar nesse limbo de pré-nascimento, para não ter que fazer parte do mundo. 

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