Eu me lembro de sempre ter sido uma
criança muito séria. Muito responsável obediente. Sempre fui considerada madura
e me relacionava melhor com adultos que com outras crianças. Engraçado, isso.
Eu nunca gostei de ser criança. Eu não achava os adultos especialmente
interessantes, também. Eu sempre achei complicadas as interações sociais e
preferi os livros às pessoas. Eu imaginava ser adulta, mas todas as histórias
eram muito sofridas (...). Faz sentido a idéia da “síndrome de Peter Pan”, mas
ao mesmo tempo, é complicado. Porque os adultos sempre pareceram frágeis e sós.
Mas ser criança também era muito solitário. Era me esconder na biblioteca no
recreio, para não ter que falar com ninguém. A biblioteca era como um útero,
seguro e aconchegante. É isso. Vontade de ser tão pequena, de voltar para o
útero e estar longe do mundo todo. Vontade de, ao menos, ser tão pequena que
não é preciso falar, andar, fazer esportes. A afirmação física, correr, fazer
esportes, também sempre me deu medo. Uma falta de reconhecimento desse corpo,
essa falta de habilidade com ele que sempre me gerou vergonha, desconforto. Eu
nunca me reconheci nesse corpo. Ele ficou o menor que pôde, para me esconder no
canto, num útero. Ele ficou gordo para que ninguém chegasse muito perto, para
que meu eu continuasse pequeno, cada vez mais escondido, um “eu” encolhido
dentro da gaiola física, de corpo, de gordura. E a questão do não crescer, do
metabolismo, acho que tem muito a ver com isso, com essa vontade de ser alheia
ao mundo, de não me mover. De vegetar nesse limbo de pré-nascimento, para não
ter que fazer parte do mundo.
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